Em entrevista a Bia Willcox, nos Estados Unidos, a presidente deposta pelo golpe, Dilma Rousseff, disse estar “sentindo muito a prisão” do ex-presidente Lula; “Eu não chorei na minha prisão. Eu fiquei três anos na cadeia. Não chorei no meu processo de impeachment. O dia que eu soube que ele ia ser preso, eu chorei. Sabe por quê? Comove muito uma situação de absoluta injustiça”, revelou; para ela, escolher outro candidato “é uma forma de facilitar a vida deles”; “Não existe um processo fácil. Existe a certeza histórica de que todos os processos podem ser revertidos, todos os processos podem ser derrotados”; leia a íntegra
Alguns trechos da entrevista foram publicados com exclusividade pelo Jornal do Brasil nesta sexta-feira 20, onde também pode ser ouvido o áudio, mas a íntegra da conversa segue abaixo:
Presidenta, qual o papel das suas viagens nesse tempo de crise política no Brasil?
Eu vou te dizer qual é: no Brasil nós estamos em uma situação, eu acho, bastante radicalizada. Do golpe que dois anos atrás teve início naquela sessão que eu acredito que estarreceu o Brasil – e se alguém de outros países assistiu também está em juntar na sua agenda da mãe da gente vende caro constantemente também se estarreceu. Votaram a favor da mãe, da filha, a favor do agente de seguro… O deputado federal Bolsonaro votou a favor da ditadura militar, da tortura e do torturador que segundo ele “me aterrorizou”.
Bem, esse processo é um processo sobre o qual há um nível ainda mais alto de consciência hoje no Brasil e também em muitos países. Notadamente os países europeus onde houve uma grande percepção de que tenha sido um golpe. Aqui também nos Estados Unidos, nas áreas jornalística e acadêmica, há essa percepção. O julgamento do impeachment há dois anos é o inicio de um processo e não um ato inaugural. A partir do impeachment, várias atrocidades legais começam a ser cometidas com repercussão na vida das pessoas. Se adota uma agenda econômica e política que ninguém aprovou, ferindo profundamente o Estado Democrático de Direito.
O que ocorre numa eleição? Você não vota pelos belos olhos de ninguém, e sim porque você concorda com aquele programa. A segunda etapa do golpe é aplicar uma agenda sem a menor legitimidade, que é algo grave! Utilizam o que estava em curso como uma operação anticorrupção que era dirigida a nós, somente a nós (do PT) e não pode ser assim na democracia (ou quando existe formalmente um Estado de Direito), até que as investigações chegaram neles, e não a nós. O Temer, o Aécio é gravado. Provas cabais! Você não pode discutir com um vídeo ou com a imagem daquele apartamento com 51 milhões de reais de um ministro do Temer. Não se pode discutir com conta na Suíça do sr. Serra. Você não pode discutir com tudo o que está aparecendo.
Nós deveríamos estar destruídos, pois um dos objetivos do golpe, além de colocar essa agenda que não tinha sido aprovada, era destruir o PT, o presidente Lula e a mim. Com a aplicação dessa agenda e com a quantidade de evidências que mostram quem são essas pessoas, começa a haver um desgaste dos que sustentaram o golpe. Quem são eles? O PMDB, o PSDB e até mesmo o PFL. Eles não têm candidatos. O centro golpista não tem candidatos.
O Brasil sempre teve um centro democrático. O Brasil sempre precisou desse centro democrático para governabilidade e teve grandes nomes: Mário Covas, senhor democracia Ulysses Guimarães. Tivemos grandes nomes no centro progressista democrático. Mas esse centro se desloca hoje para a direita e vemos isso quando, no PMDB, o Eduardo Cunha passa a controlar o partido. O centro passa a ser dominado pela direita, que é o sr. Eduardo Cunha. Eles instilam o ódio, criam movimentos como o MBL e o Vem Pra Rua, que tem características cada vez mais explicitamente fascistas. E aí surge algo que eles não contavam: a extrema direita ocupando o espaço que era deles.
E aí estamos nós aqui, que deveríamos estar destruídos depois de momentos difíceis. No início de 2017, a população começa a perceber progressivamente o que está havendo e aumenta a popularidade do Lula, melhora a avaliação do PT. Elas se dão conta do que está em curso. E cai a rejeição do Lula. Por que cai a rejeição por ele? Porque nós vinhamos sendo julgados numa instância que eles criaram e não é uma instância do judiciário, e sim a relação que existe entre o Poder Judiciário brasileiro e a mídia. Segmentos do MP, Polícia Federal e Justiça em geral vazavam informações para a imprensa. A imprensa expunha na TV, jornais e revistas. Você não tem nessa instância o direito de defesa. Você não tem o contraditório. Você não tem nada, é condenado liminarmente e ponto. Primeiro se joga a condenação e depois se pergunta: “mas como foi mesmo?”.
Vou lhe dar um exemplo: em certa altura, um delator chamado Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, declarou que minha campanha tinha recebido um milhão de reais e que duas pessoas, meu chefe de gabinete e o tesoureiro da minha campanha, tinham ido atrás dele e dito que se ele não desse um milhão de reais, perderia contratos. Nós levamos essa pecha enquanto o processo esteve só sendo difundido pela imprensa. Na hora do juiz, a minha defesa perguntou “como foi isso? Onde está o pagamento?”. Ele deu dia e hora do pagamento. Quando fomos checar, ele tinha pago ao PMDB e ao Temer.
O juiz ficou perplexo, pois recebeu o cheque, que deveria estar na Justiça Eleitoral. Pedimos então que anulassem a delação mentirosa. Ele simplesmente pediu desculpas, disse que se enganou, e o juiz simplesmente desculpou. Esse exemplo que eu estou te dando é para mostrar como o julgamento da imprensa foi chave para construírem a culpabilidade do Lula.